4.5.07

Crucificado

Gritei aos homens: Quero ser crucificado!
E os homens responderam-me: Porque havia de cair o teu sangue sobre as nossas cabeças.
Respondi: De que outro modo dereis ser exaltados senão crucificando loucos?
Convenci-os e fui crucificado.
Isso acalmou-me. Quando eu estava suspenso entre o céu e a terra levantaram a cabeça para me ver e sentiram-se grandes.
Era a primeira vez que levantavam a cabeça.
Enquanto me olhavam, um deles perguntou: O que é que estás a expiar? Outro gritou: Porque é que te sacrificas? O terceiro disse: Acreditas que por esse preço comprarás a glória do mundo? Um quarto exclamou: Vejam como ele sorri! Pode perdoar-se uma dor assim?
Respondi a todos: Recordem apenas que sorrio. Não estou a expiar nada, nem aspiro à glória; nada tenho a perdoar.
Tive sede e pedi que me dessem a beber o meu próprio sangue. Que pode saciar a sede de um louco, senão o seu próprio sangue?
Estava mudo, e pedi que me abrissem feridas para ter boca. Estava prisioneiro dos vossos dias e das vossas noites e busquei uma porta para dias mais vastos e noites maiores.
Agora vou partir como partiram todos os outros a quem mataram na cruz.
Só assim podemos aspirar a terras mais vastas e a céus mais amplos.

Khalil Gibran in O Louco