A ideia
[...]
Estava um calor desagradável.Sentavam-se à sombra da cafetaria, enquanto assistiam de longe a uma partida de críquete. Mais perto deles, duas raparigas e um rapaz sentavam-se na relva, a beber sumo de laranja em copos de plástico. Uma das raparigas, que tinha uma guitarra ao colo, pousou o copo e começou a tocar uma canção popular, cantando numa voz aguda e sauve. Glogauer tentou escutar a letra. Enquanto estudante, sempre apreciara canções populares tradicionais.
- O Cristianismo morreu - Monica bebericou o chá - A religião está a morrer. Deus foi morto em 1945.
- Pode ser que ainda se dê a ressurreição - disse ele.
- Espero bem que não. A religião é a criação do medo. O conhecimento destrói o medo. Sem medo, a religião não pode sobreviver.
- E achas que não há medo hoje em dia?
- Não do mesmo género, Karl.
- Nunca pensastes na ideia de Cristo? - perguntou-lhe ele, dando novo rumo à conversa. - O que isso significa para os cristãos?
- O mesmo que a ideia do tractor significa para um marxista - respondeu ela.
- Mas o que surgiu primeiro? A ideia ou a realidade de Cristo?
Ela encolheu os ombros.
- A realidade, se é que importa. Jesus foi um desordeiro judeu que organizou uma revolta contra os romanos. Acabou crucificado em vão. É tudo o que sabemos e tudo o que precisamos saber.
- Precisamente o que quero dizer, Mónica. - Gesticulou e ela afastou ligeiramente. - A ideia precedeu a realidade de Cristo.
- Oh, Karl, não insistas. A realidade de Jesus precedeu a ideia de Cristo.
Um casal passou por eles, e olhou-os de relance para os ver discutir.
Monica reparou e calou-se. Levantou-se e ele também, mas ela abanou a cabeça negativamente.
- Vou pra casa, Karl. Tu, fica. A gente vê-se daqui a uns dias.
Ficou a vê-la descer o caminho largo em direcção aos portões do parque.
No dia seguinte, quando chegou a casa do trabalho, deu com uma carta dela. Devia tê-la escrito assim que o deixou e enviado no próprio dia.
[...]
Michael Moorcock in Eis o Homem
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