...Aquela rapariga que lhe parecera tão familiar era, de facto, uma desconhecida. Mas era ela que sempre desejara. Se um dia encontrasse o seu paraíso pessoal, se é que tal coisa existe, era com essa rapariga que lá havia de viver. A rapariga do sonho era o «es muss sein!» do seu amor.
Lembrou-se do célebre mito do
Banquete de Platão: dantes, em tempos muito recuados, os humanos eram hermafroditas e Deus separou-os em duas metades, que, desde então, erram pelo mundo à procura uma da outra.
Amar é desejar essa metade perdida de nós próprios.
Admitamos que assim seja: que cada um de nós tenha algures no mundo um par com o qual constituía em tempos um único corpo. A outra metade de Tomas é a rapariga com quem ele sonhou.
Mas nunca ninguém há-de encontrar a outra metade de si próprio. Em vez dela, mandaram-lhe uma Tereza dentro de uma cesta ao sabor das águas. Mas o que acontecerá depois, se encontrar realmente a mulher que lhe estava destinada, a outra metade de si próprio? Qual é que deverá preferir? A mulher que encontrou numa cesta ou a mulher do mito de Platão?
Milan Kundera in A insustentável Leveza do Ser (quinta parte - cap. 23)