3.4.06

Ronda dos Braços Quebrados

I
Minh'alma vai à frente, eu rojo atrás dela:
Porque eu sou feio e triste,
Mas a minh'alma é bela...


Sim, a minh'alma sabe essas palavras ébrias
Que nos atiram para o Infinito.
Quando a minh'alma fala, a sua voz é um grito,
Grito de oiro que vara a solidão do espaço,
E Deus acolhe no seu regaço.
Que pena que a minh'alma
Só pela fala do meu corpo fale!
Que a fala do meu corpo é intolerável,
Mas a minh'alma é bela,
E eu ou hei-de pedir-lhe que se cale,
Ou hei-de dar-lhe a voz da minha língua miserável!

II
- «Onde há uma doutrina
«Que posso pôr de acordo
«Toda a minha grandeza
«Com a minha desgraça?

«Que Deus humano me dirá essa parábola divina?

«Quem me fará esse milagre?

«Quem me abrirá essa porta?

«Seja quem for,
«(Deus ou Satá, pouco importa)
«Quero chamar-lhe meu senhor,
«Acolher-me a seus pés como um escravo!»

Mas em vão
Eu atiro ao silêncio o meu pregão,
Eu o atiro à multidão que passa:

- «Onde há uma doutrina
«Que possa pôr de acordo
«Toda a minha grandeza
«Com a minha desgraça?»

III
Terra do chão, tapa-me a boca!
- Terra do chão que piso aos pés...
Areias do deserto,
Areias que subis no ar, turbilhonando,
Cegai-me!

Prostrai-me,
Ventos que ides passando assobiando...

Ondas do mar que desabais,
(Ah, o mar...!)
Levai-me!

Estou fartinho de lutar,
Não posso mais.


(Mas não queria enlanguescer na minha enxerga...)
José Régio in Poemas de Deus e do Diabo